INVESTIGAÇÃO DA INFLUÊNCIA DO CIMENTO CP-III E CPII-E NA CORROSÃO DAS ARMADURAS DE CONCRETO
E. Bauer
Universidade de Brasília (UnB), Departamento de Engenharia Civil
Campus Universitário – Asa Norte, 70910-900 Brasília/DF
laboratorio.unb@gmail.com
RESUMO
O presente trabalho enfoca a questão da durabilidade das armaduras do concreto armado quanto à corrosão. Os diferentes tipos de cimento atualmente fabricados no Brasil, apresentam peculiaridades que ensejam desempenhos diferenciados frente à corrosão das armaduras. Dos diversos cimentos surgem variações quanto a reserva alcalina (manutenção do pH) e mecanismos de ingresso de substâncias agressivas. São analisados dois cimentos que empregam adição de escória de alto-forno, através de ensaios acelerados de corrosão por efeito de cloretos e por efeito de carbonatação empregando a técnica de resistência de polarização para monitorização da corrosão.
1. INTRODUÇÃO
Os cimentos Portland, largamente empregados na construção civil, são obtidos a partir da moagem de um clínquer conjuntamente com sulfato de cálcio e também adições de natureza principalmente silicosa. O clínquer, principal composto reativo do cimento compõe-se basicamente de silicatos, aluminatos e ferro-aluminatos de cálcio. Da hidratação do cimento obtêm-se principalmente o silicato de cálcio hidratado (C-S-H),composto insolúvel e altamente resistente, responsável pela maioria das propriedades de interesse do material. Da hidratação também decorrem outros compostos, tais como: hidróxidos de cálcio, sódio e potássio, fases alumino-ferríticas hidratadas, os quais podem influenciar significativamente na durabilidade dos concretos. Principalmente o hidróxido de cálcio (hidróxido em maior teor) é responsável pela reserva alcalina, ou seja, tem relação direta com a formação e manutenção da camada de passivação. Enfatiza-se dessa forma o alto pH inicial do concreto ( em torno de 12 a 13), obtido principalmente pela hidratação dos silicatos (formação de hidróxido de cálcio principalmente).
Variações das matérias-primas e do processo industrial levam a diferenciações da natureza do clínquer, o que consequentemente traz variações nos compostos finais obtidos, implicando em diferenciações no desempenho frente à corrosão.
Na fabricação dos cimentos são também utilizadas adições de natureza silicosa, tais como: pozolanas, sílica ativa, escória de alto-forno; e também adições carbonáticas. As adições silicosas reagem principalmente com o hidróxido de cálcio formando o composto C-S-H. Esta reação é vantajosa principalmente porque permite a “substituição” do hidróxido de cálcio, que é um composto solúvel e de baixas resistências mecânicas, pelo C-S-H o qual é insolúvel e contribui no comportamento mecânico do material (1) . De outro lado, o consumo de hidróxido de cálcio reduz a reserva alcalina, o que pode levar a possível dissolução da película de passivação, com possível surgimento da corrosão ao longo do tempo.
Outra diferenciação importante diz respeito à estrutura física. Para o mesmo nível de resistência mecânica, diferentes clínqueres e diferentes cimentos apresentarão porosidades também diferenciadas (2) . Neste sentido HELENE (1993) (3) enfoca a relação água/cimento como parâmetro principal de influência. Aumentando-se a relação água/cimento aumenta-se o volume de poros e o tamanho dos mesmos. O emprego das adições, por sua vez, faz com que ocorra um refinamento da porosidade (4) (2), ou seja, como conseqüência da reação pertinente ocorre um deslocamento do tamanho de poros no sentido das pequenas dimensões, sendo esta estrutura composta de poros finos e geralmente descontínuos (5) .
A estrutura física é importante quanto à corrosão, principalmente pelo fato da mesma influenciar decisivamente nos mecanismos de transporte de substâncias agressivas, principalmente cloretos e CO2 . Estes compostos reduzem o pH da fase aquosa presente nos poros e propiciam a dissolução da camada de passivação. Advêm daí os dois principais mecanismos de corrosão das armaduras em concreto, a saber: efeito de cloretos e efeito de carbonatação.
A corrosão por efeito de cloretos caracteriza-se pela formação de pites de corrosão, ou seja dissolução local e pontual da camada de passivação. Se fazem importantes principalmente o teor de cloretos livres (uma vez que parte dos cloretos são fixados à microestrutura do concreto) na região circunvizinha à armadura sendo o limite para despassivação geralmente regido pela relação [Cl-]/[OH-] conforme enfocam GOÑI e ANDRADE (1990) (6) e PAGE et al. (1991) (7) . Em relação à composição dos cimentos e adições, observa-se que ao se aumentar o teor de fases alumino-ferríticas (aumento do C3A e emprego de adição de escória), diminui-se o teor de cloretos livres, para a mesma idade do concreto (8)(9)(10) . Em tais situações ocorre grande fixação de cloretos pela formação de cloro-aluminatos (sal de Friedel) sendo que estes compostos se mantém estáveis em elevados valores de pH (11) .
O processo de carbonatação do concreto é crítico em relação à corrosão, uma vez que o CO2 do ar se dissolve na fase aquosa presente nos poros do concreto formando ácido carbônico, o qual se neutraliza com o hidróxido de cálcio formando carbonato de cálcio. Este processo reduz o pH do concreto de 12 para em torno de 8. Cimentos com menor geração de reserva alcalina (depende do tipo e natureza do clínquer) permitem um avanço da frente de carbonatação mais rapidamente (de fora para dentro) (3)(9) . Inserem-se aqui também os cimentos que empregam adições silicosas, as quais consomem hidróxido de cálcio, os quais são mais suscetíveis e de menor desempenho frente à carbonatação (10) . De outra forma, concretos com maior porosidade (maior volume de vazios e maior dimensão de poros) permitem um acesso mais fácil e rápido para o CO2 , permitindo com isso incrementos significativos na velocidade de carbonatação.
Ainda merece menção o efeito combinado de cloretos-CO2. Uma vez que a carbonatação ocorra em estruturas de concreto contaminadas por cloreto, a redução de pH desestabilisa os clorocomplexos liberando cloretos anteriormente fixos aumentando o risco de corrosão(10)(11) .
2. MATERIAIS E MÉTODOS
De forma a caracterizar a diferenciação de desempenho dos cimentos em relação à corrosão, foram selecionados dois cimentos de fabricação nacional classificados como: cimento Portland composto (CP II E –32) e cimento de alto-forno (CP III – 32). Os dois cimentos são de mesma procedência apresentando diferenciação no teor de escória adicionado e no grau de moagem (superfície específica Blaine). As determinações de análise química e propriedades físicas encontram-se discriminadas nas Tabelas 1 e 2.
Os corpos-de-prova empregados seguiram em linhas gerais as diretrizes de vários trabalhos executados(9)(12)(13) . A forma dos corpos-de-prova segue uma concepção prismática empregando-se duas barras de aço de diâmetro 12,5 mm como sensores de corrosão (Figura 1).
O proporcionamento das séries de ensaio foi obtido a partir de relações água/cimento fixas (0,4 e 0,6) e de condições de trabalhabilidade equivalente (espalhamento de 250 mm).
Após a moldagem das séries, os corpos-de-prova permaneceram em câmara úmida até a idade de 63 dias. Paralelamente ao procedimento de cura foi feita a monitorização do teor de água combinada para se avaliar a estabilização do grau de hidratação dos cimentos.
Os ensaios de envelhecimento acelerado para o caso da corrosão por efeito de cloretos foram executados conforme metodologia apresentada em BAUER (1995) (9) , possuindo os mesmos duas etapas:
• secagem em estufa a 50oC por um período de 14 dias;
• imersão parcial em solução 5% de NaCl por um período de 7 dias.
Ao final de cada etapa foram executadas as monitorizações determinando-se a intensidade de corrosão (icorr) respectiva. A determinação da intensidade de corrosão foi feita em procedimento descrito em BAUER (1995) (9) através de uma varredura de –10 a +10 mV em relação ao potencial de corrosão (Ecorr). Empregou-se para execução dos ensaios um potenciostato com compensação de queda ôhmica utilizando-se uma velocidade de varredura de 10 mV/min.
Os ensaios de envelhecimento acelerado para o caso da corrosão por efeito de carbonatação foram executados em uma câmara na qual se introduz CO2 em concentrações próximas a 100% e mantêm-se a umidade relativa próxima de 65%. É necessário antes do ensaio se executar procedimento de estabilização da umidade dos corpos-de-prova, uma vez que se os mesmos estiverem saturados o ingresso de CO2 será dificultado. As etapas, portanto, vem a ser:
• condicionamento – secagem em estufa a 50oC por 14 dias e posterior manutenção dos corpos-de-prova em câmara de estabilização (umidade relativa de 65%) até const6ancia de massa;
• carbonatação – a 100% de CO2 com avaliações periódicas da intensidade de corrosão;
• imersão parcial em água – após a carbonatação, de modo a averiguar a evolução das grandezas de estudo.
3. RESULTADOS
As Figuras 2 e 3 apresentam os resultados referentes aos ensaios acelerados de corrosão por efeito de cloretos. Todas as Figuras trazem de forma explícita a evolução da intensidade de corrosão ao longo do tempo. É também enfatizada a faixa limite de despassivação (0,1 a 0,2 uA/cm2), admitindo-se que ao ultrapassar a faixa limite a armadura encontra-se despassivada e em corrosão.
Na Figura 2, para relação água/cimento 0,4, observa-se comportamentos bem distintos para os dois cimentos. O cimento CP III (cimento de alto-forno) possui desempenho superior ao CP II F, uma vez que o mesmo só vem a ultrapassar o limite de despassivação ao final do sexto ciclo de ensaio (126 dias), o que ocorre para o CP II F ao final do terceiro ciclo (63 dias). Nesta situação pode-se afirmar que a vida útil de projeto (3) é o dobro somente mudando-se o tipo de cimento (CP II F para CP III). Na verdade este desempenho pode ser explicado pelo aumento da capacidade de fixação de cloretos propiciado pela adição de escória no cimento CP III. Avaliando-se os mecanismos de ingresso de cloretos, observa-se que principalmente o coeficiente de difusão de cloretos é significativamente diminuído com o aumento do teor de escória de alto-forno ao cimento (9)(14) .
A Figura 3 apresenta os mesmos cimentos em corpos-de-prova com porosidade maior, ou seja empregando-se uma relação água/cimento de 0,6. Nesta situação o comportamento observado é inverso ao anteriormente constatado (Figura 2), ou seja o cimento CP III despassiva ao final do primeiro ciclo (21 dias), enquanto que o cimento CP II F despassiva ao final do terceiro ciclo. Este resultado parece direcionar o raciocínio para a influencia da porosidade nos mecanismos de ingresso de cloretos. Se torna evidente que com poros maiores e de maior volume a capacidade de fixação de cloretos cai drasticamente.
Uma constatação prática destes resultados diz respeito à necessidade de se especificar para determinada estruturas submetida a meio agressivo, não somente o tipo de cimento, mas também a relação água/cimento máxima admissível.
As Figuras 4 e 5 trazem os resultados referentes aos ensaios acelerados de corrosão por efeito de carbonatação. Na Figura 4, para relação água/cimento 0,4 observa-se que o cimento CP III despassiva rapidamente (4 dias) e mantém os valores de intensidade de corrosão em valores próximos a 0,2 uA/cm2. Já o cimento CP II F não despassiva durante o ensaio, observando-se contudo uma elevação da intensidade de corrosão até os 24 dias.
A diferenciação de desempenho pode ser explicada pelo teor de clínquer dos cimentos e pela conseqüente reserva alcalina. O cimento CP III, pelo fato de ser adicionado com escória (em torno de 40% de escória), possui menor teor de clínquer o que leva a uma geração menor de compostos alcalinos (principalmente hidróxido de cálcio). Assim, ao ser submetido à carbonatação ocorre um avanço mais rápido desta frente no cimento com menor teor de clínquer.
Deve se observar na evolução mostrada nas Figuras 4 e 5, que ao final do ensaio os valores de intensidade de corrosão estabilizam-se (não aumentam). Isso pode ser explicado pelo fato da reação de corrosão por carbonatação ser controlada pela resistividade do concreto. Uma vez que ocorra a despassivação os valores de intensidade de corrosão dependem diretamente dos valores de resistividade (9)(13).
Na Figura 5, observa-se que também ao aumentar a porosidade (relação água/cimento 0,6) obtêm-se valores superiores de intensidade de corrosão. Neste caso as diferenciações em função do tipo de cimento não se mostram claras, observando-se que a despassivação ocorre inicialmente no CP II F (4 dias) e posteriormente no CP III (8dias). Este comportamento, em princípio antagônico, pode ser explicado pelo refinamento de poros propiciado pela adição. A séries que emprega CP III possui tamanho de poros u pouco menores , o que faz com que no processo de estabilização (anterior à carbonatação) os corpos-de-prova estabilizem-se com um percentual de umidade um pouco superior ao CP II F. Isso pode ser observado pelos valores iniciais de intensidade de corrosão, em que o CP III tem valores superiores. (0,02 frente a 0,001 do CP II F). Assim, ao se iniciar a carbonatação o CO2 tem maior facilidade de ingresso nos instantes iniciais naqueles corpos-de-prova com menor teor de umidade, permitindo um avanço da carbonatação inicialmente mais rápido. Em idades mais avançadas observa-se que o CP III desenvolve maiores valores de intensidade de corrosão conforme esperado.
4. CONCLUSÕES
Do tema abordado e do programa experimental desenvolvido podem ser enumeradas as seguintes conclusões:
• existem diferenciações no desempenho frente à corrosão tanto no tipo e natureza do cimento como também em relação a cada mecanismo de corrosão específico;
• clínqueres com maior geração de hidróxido de cálcio fornecem potencialmente uma maior reserva alcalina;
• a estrutura física, em particular, a porosidade (gerenciada em grande parte pela relação água/cimento), desempenha papel fundamental nos mecanismos de transporte de substâncias agressivas e nos mecanismos de corrosão. Uma porosidade inadequada pode anular todos os benefícios possíveis obtidos pelo emprego de adições, além de ainda tornar o concreto mais suscetível à corrosão (Figura 3).
• o emprego de adições deve ser norteado em função do possível mecanismo de corrosão que poderá se desenvolver. Adições de escória, por exemplo, podem fornecer ao concreto excelente desempenho frente à corrosão por efeito de cloretos, mas quanto à corrosão por efeito de carbonatação podem vir a tornar o concreto suscetível a uma deterioração mais rápida.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) MEHTA,P.K.; MONTEIRO,P.J. Concreto: estrutura, propriedades e materiais. 1a ed. São Paulo: PINI, 1984. p.24.
(2) UCHIKAWA, H. Effect of blending components on hydration and structure formation. In:Congresso Internacional de Química do Cimento, 8. , Rio de Janeiro, 1986. Anais. Rio de Janeiro, s.e., 1986, v.1, p.249-280.
(3) HELENE, P. Contribuição ao estudo da corrosão em armaduras de concreto armado. São Paulo, 1993, Tese (Livre Docência) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo.
(4) MEHTA, P.K. Pozzolanic and cementitious byproducts as mineral admixtures for concrete – a critical. In: MALHOTRA,V.M. (ed). Fly ash, silica fume, slag and other mineral by-products in concrete. Detroit, 1983. Proceedings. ACI, 1983, p. 1-45.
(5) TORI, K. KAWAMURA, M. Pore structure and chloride permeability of concretes containing fly ash, blast-furnace slag and silica fume. In: MALHOTRA, V.M. (ed). CANMET/ACI International Conference on Fly Ash, Silica Fume, Slag and Natural Pozzolans in Concrete, 4. , Stanbul, 1992. Proceedings. Detroit, ACI, 1992. P.135-150.
(6) GOÑI, S.; ANDRADE, C. Synthetic concrete pore solution chemistry and rebar corrosion rate in the presence of chlorides. Cement and Concrete Research, v.20, p.525-539, 1990.
(7) PAGE, C.L.; LAMBERT, P.; VASSIE, P.R. Investigations of reinforecement corrosion. 1. The pore electrolyte phase in chloride-contaminated concrete. Materials and Structures, v.24, p.243-252, 1991.
(8) RASHEEDUZZAFAR; AL-SAADOUN, S.S.; AL-GAHTANI, A. S.; DAKHIL, F.H. Effect of tricalcium aluminate content of cement on corrosion of reiforcing steel in concrete. Cement and Concrete Research, v.20, p.723-738, 1990.
(9) BAUER, E. Avaliação comparativa da influência da adição de escória de alto-forno na corrosão das armaduras através de técnicas eletroquímicas. São Paulo, 1995, Tese (Doutorado) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
(10) MONTEIRO, E.C.B. Estudo da capacidade de proteção de alguns tipos de cimentos nacionais, sob ação conjunta de CO2 e íons cloreto. Brasília, 1996, Dissertação (Mestrado) – Departamento de Engenharia civil, Universidade de Brasília.
(11) SURYAVANSHI, A K. SCANTLEBURY, J.D.; LYON, S.B. Mechanism of Frield’s salt formation in cement rich in tri-calcium aluminate. Cement and Concrete Research, v.23, p.247-253, 1993.
(12) ANDRADE, C. Monitoring techniques. In: SCHIESSL,P. (ed). Corrosion of Steel in Concrete. RILEM Technical Comittee 60-CSC. London, Chapman e Hall, 1988.
(13) NEPOMUCENO, A A Comportamiento de los morteros de reparacion frente a la carbonatacion y a la penetracion de cloreuros en estructuras de hormigon armado dañadas por corrosion de armaduras. Estudio mediante la tecnica de resistencia de polarizacion. Madrid, 1992, Tese (Doutorado) – Universidad Politecnica de Madrid.
(14) SURYAVANSHI, A.K.; SWAMY, R. Stability of Friedl’s salt in carbonated concrete strucural elements. Cement and Concrete Research, v.26, p.729-741, 1996.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Muito bem vindo ! Assim que possível discutiremos seu comentário.