Trazemos aqui a questão da inovação na construção. Muitas vezes não se tem a correta avaliação do que são técnicas/tecnologias e materiais inovadores. Entendendo a abordagem do SINAT (Sistema Nacional de Avaliação Técnica de Produtos Inovadores) , os professores Vanda Zanoni e João Manuel Sanchez, ambos colegas da FAU/UnB trazem considerações muito úteis na temática em questão. Agradecemos a colaboração dos colegas.
Boa leitura,
Prof. E. Bauer
INOVAÇÃO NA CONSTRUÇÃO: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DAS DIRETRIZES E DOS DOCUMENTOS DE AVALIAÇÃO TÉCNICA DO SINAT
Vanda Alice Garcia Zanoni ; José Manoel Morales Sánchez
vandazanoni@unb.br sanchez@unb.br
1. INTRODUÇÃO
O SINAT (Sistema Nacional de Avaliação Técnica de produtos inovadores) criado em 2007 no âmbito do PBQP-H (Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade do Habitat), do Ministério das Cidades (MC), tem sido o mecanismo institucional que proporciona a validação de novas alternativas tecnológicas para produtos e processos inovadores da construção civil no Brasil.
Os produtos e sistemas construtivos inovadores são aquele que, não possuindo normas técnicas prescritivas específicas ou não sendo identificados como sistemas tradicionais consagrados pelo seu uso, precisam ser balizados para adquirirem credibilidade e reconhecimento perante os consumidores e os agentes financiadores. A redução dos riscos decorrente do desconhecimento do desempenho real de produtos não normalizados, o aumento da credibilidade, o estímulo e a disseminação das inovações tecnológica tendem a ampliar a oferta de tecnologias para a produção, principalmente no âmbito da habitação, visando a redução de custos e o aumento de produtividade (TÈCHNE, 2009).
A Diretriz SINAT é um documento de referência contendo diretrizes para a avaliação técnica especialmente desenvolvida para uma determinada família de produtos, baseado no conceito de desempenho de produtos. Para os sistemas construtivos inovadores são adotados requisitos, critérios e métodos de avaliação previstos na NBR 15.575 - Desempenho de edifícios habitacionais de até cinco pavimentos (MITIDIERI et al. 2007). Caso não exista publicada uma Diretriz aplicável ao produto, a ITA (Instituição Técnica Avaliadora autorizada a participar do SINAT) elabora uma minuta de Diretriz e a submete à apreciação. Até o presente momento existem seis Instituição Técnica credenciadas no SINAT (Quadro 1), com a função de propor Diretrizes, realizar avaliações técnicas e elaborar Documento de Avaliação Técnica - DATec’s (MC, 2012).
A partir da aprovação e publicação da Diretriz, o proponente de um produto inovador pode solicitar à ITA a elaboração de um DATec para seu produto ou sistema construtivo (MITIDIERI et al. 2007). DATec é um documento síntese de divulgação dos resultados da avaliação técnica do produto, realizada por uma ITA com a chancela SINAT, com base na metodologia determinada pela Diretriz. Para o produto ser alvo de um DATec, é necessário que exista uma Diretriz SINAT.
Quase cinco anos após a sua regulamentação, o SINAT (Portaria nº 345, de 03/08/2007) totaliza até o presente momento a emissão de cinco Diretrizes e onze DATec’s (MC, 2012).
Este artigo apresenta uma análise baseada nas Diretrizes e nos DATec’s emitidos pelo SINAT. A partir dos documentos publicados, são identificados os aspectos que caracterizam os sistemas construtivos como tecnologias inovadoras, abordando similaridades, restrições e aplicações. Com base na análise documental, pretende-se aumentar o nível de entendimento deste processo, prospectando o potencial para a inovação a partir dos sistemas propostos.
2. SISTEMAS INOVADORES - DIRETRIZES SINAT e DATec’s
Até o presente momento (maio de 2012), sete DATc’s emitidos estão vinculadas à Diretriz SiNAT nº 001/rev.02 e quatro DATc’s estão vinculados à Diretriz SiNAT nº 002, perfazendo um total de onze sistemas construtivos inovadores em paredes de concreto armado moldadas no local e de painéis estruturais pré-moldados, respectivamente. As DIRETRIZES e DATec’s já emitidos pelo SINAT estão disponível no site do PBQP-H, onde podem ser consultadas na integra. Os Quadros 2, 3 e 4 apresentam a relação dos documentos publicados e as respectivas datas de emissão (MC, 2012).
Os sistemas construtivos inovadores Light Wood Framing, Light Steel Framing e painéis de PVC que já possuem Diretrizes SINAT, até então, não possuem nenhuma DATec divulgada.
3. QUADRO ANALÍTICO
A abordagem analítica a que se propõe este artigo, apresentadas nos tópicos a seguir descritos, está restrita aos sistemas construtivos inovadores em paredes de concreto armado moldadas no local e de painéis estruturais pré-moldados que perfazem o total de onze DATc’s.
3.1. Elementos Inovadores
Os sistemas construtivos avaliados consideram como elementos inovadores as paredes de concreto moldadas no local e os painéis-parede pré-moldados. Esses elementos caracterizam-se como vedação vertical com função estrutural e são considerados inovadores, pois não estão contemplados em normas brasileiras.
Mas, com a aprovado do Projeto 02:123.05-001 da ABNT/CB-2 em 29/02/2012, que trata dos requisitos, procedimentos para dimensionamento, produção e uso de paredes de concreto moldada no local, esta tecnologia ganha uma norma técnica e passa a ser considerada convencional. Apesar de existirem normas brasileiras para estruturas pré-fabricadas de concreto, ainda não existem normas técnicas que contemplem os sistemas construtivos constituídos por paredes com painéis pré-fabricados.
3.2. Concreto
Segundo a ABNT NBR 15.575- 4 os sistemas de vedação vertical interno e externo (SVVIE) são as partes do edifício habitacional que limitam verticalmente o edifício e seus ambientes internos, controlando o fluxo de agentes solicitantes. Classifica como vedações leves não estruturais, aquelas cuja densidade superficial é menor que 60kg/m² (ABNT NBR 15.575- 4). As vedações verticais pesadas são as que podem ser estruturais ou não, constituídas de elementos de densidade superficial superior ao limite pré-determinado.
Para as paredes de concreto moldadas no local, a Diretriz SINAT 001 estabelece o uso de concreto normal (densidade em torno de 2300 kg/m3), limita o uso do concreto com ar incorporado (densidade em torno de 1900 kg/m3) somente para edificações térreas ou até 2 pavimentos e restringe a utilização de concreto celular e de concreto com agregado leve. Já a Diretriz 002 para painéis pré-moldados permite o emprego do concreto comum, caracterizado por massa específica não inferior a 2150 kg/m3 e fck ≥ 20 MPa (considerando-se as exigências previstas na NBR 6118) e concreto leve (mistura com ar incorporado ou outro), atentando-se para o potencial de resistência do concreto a agentes agressivos mais comuns, como carbonatação e penetração de cloretos, quando do emprego de armaduras metálicas ou a compatibilidade do material das armaduras com o concreto (álcalis do cimento) quando do uso das fibra não metálicas.
Com base nas Diretrizes citadas, os sistemas inovadores aprovados empregam o concreto comum com 2300 kg/m3 e 2400 kg/m3 e resistência característica à compressão ≥ 25 MPa e menor ou igual a 40 MPa. O emprego do concreto produzido com aditivo polimérico (concreto leve) adota massa específica aproximada de 1.900 kg/m3 e resistência característica à compressão variando de 8 MPa a 14 MPa. Para os concretos com adição de fibras de polipropileno a massa específica adotada é de 2250 kg/m3 e 2500 kg/m3 com resistência característica à compressão especificada de 25 MPa e 30 MPa.
Neste momento do desenvolvimento tecnológico, observa-se a ausência de tecnologias inovadoras no emprego de concretos celulares, com agregado leve, com adições de compósitos, com resíduos, entre outros. Essa restrição reporta-nos às experiências dos anos 80, quando foram implantados no Brasil os canteiros experimentais como espaços de experimentação para testar sistemas construtivos industrializados, visando o desenvolvimento e a seleção de tecnologias a serem aplicadas na produção de habitações de baixa renda. Segundo Silva et al. (2010) os resultados da Avaliação Pós-Ocupação feita no Canteiro Experimental de Heliópolis mostram que a maioria das edificações apresentou desempenho insatisfatório. Os problemas observados indicam falhas no processo de desenvolvimento para adoção de novas tecnologias, o qual possivelmente foi conduzido sem visão sistêmica (SILVA, KATO, SABBATINI, BARROS, 2010).
3.3. Armadura
Nos sistemas analisados verificam-se o uso de armaduras constituídas de barras de aço, telas metálicas soldadas, treliças soldadas galvanizadas com proteção de zinco e telas de fibra de vidro tipo Álcalis Resistentes protegidas com resinas de poliéster. Não existe até o momento normalização brasileira para armaduras não metálicas para concreto armado ou armaduras galvanizadas. A ABNT - NBR 7480: 2007 - Aço destinado a armaduras para estruturas de concreto armado – Especificação refere-se somente às barras (CA 25 e CA 50) e fios (CA 60) de aço e a normalização para as paredes de concreto moldadas no local restringe-se ao uso de armaduras metálicas. Portanto, os DATc’s dos referidos sistemas são instrumentos importantes para a validação das inovações.
3.4. Fôrma
Nos DATec’s analisados, os sistemas inovadores predominantes são aqueles que utilizam as paredes moldadas no local. Esses sistemas diferenciam-se basicamente quanto ao uso dos sistemas de fôrma. Podendo ser metálicas, de madeira ou de plástico, as fôrmas são elementos importantes a serem monitorados na produção. Os sistemas de paredes moldadas no local caracterizam-se por ciclos diários de montagem e desmontagem das fôrmas, tornando-se um diferencial para o aumento da produtividade. O projeto de norma aprovado para paredes de concreto moldada no local estabelece o sistema de fôrma como um requisito que deve ser validado pelo projetista de estrutura. Os sistemas de fôrmas para concreto moldado in loco foram recentemente normalizados pela ABNT - NBR 15696: 2009 - Fôrmas e escoramentos para estruturas de concreto - Projeto, dimensionamento e procedimentos executivos.
3.5. Processo de Produção
Os elementos inovadores podem ser produzidos fora do seu local de aplicação (off-site) ou moldados no local (on-site). As Diretrizes validam os sistemas inovadores do tipo painel fabricados em unidades de produção montadas em canteiro-de-obras ou em usina. Para evitar a tributação excessiva e os custos com transportes é evidente a preferência pelos sistemas de paredes moldados no local ou à pré-fabricação de painéis em instalações localizadas no próprio canteiro de obra, como pode ser observado nas DATec’s emitidas.
As paredes e os painéis de concreto dos sistemas inovadores podem ser classificados na categoria de vedações externas pesadas (densidade superficial > 100kg/m²). Isso requer investimento e gestão para as instalações e equipamento (principalmente ponte rolante e grua), para o transporte e manuseio dos sistemas construtivos com painéis de vedação. A baixa mecanização dos canteiros de obra brasileiros é um dos gargalos para a produção mais intensa de sistemas construtivos em painéis.
A produção em escala dos sistemas inovadores, aliada a baixa disponibilidade de mão de obra para os sistemas tradicionais, alavancam processos que demandam contingentes com menor habilidade para as tarefas artesanais no canteiro de obra, mas que podem ser treinadas para o processo de montagem e desmontagem, como é o caso dos sistemas de paredes moldadas no local. Diminui-se o número de empregados e, inclusive, aumenta a possibilidade da inserção da mão de obra feminina no canteiro de obra. Serventes ou ajudantes são mais disponíveis para contratação que oficiais especializados em carpintaria, alvenaria ou ferragem, necessários para os sistemas estruturais e de vedação das tecnologias tradicionais.
3.6. Flexibilidade arquitetônica
Todos os sistemas inovadores apresentam restrições quanto à flexibilidade arquitetônica. As paredes de concreto moldadas no local ou aquelas formadas por painéis não podem ser alteradas, removidas total ou parcialmente demolidas pelo usuário, visto que se caracterizam como elementos estruturais. Qualquer modificação em paredes e lajes, como abertura de vãos e rasgos para instalações hidráulicas e elétricas, deve ser previamente acordada, na fase de projeto do edifício. Cada sistema tem as suas especificidades para as unidades de habitação geminadas, assim como interfaces, comprimento máximo dos painéis, pé-direito das edificações e adequação das instalações, entre outras. Principalmente, os sistemas construtivos com painéis reforçam as exigências relacionadas às interfaces (ligações, juntas) visando garantir, além da estabilidade estrutural, a estanqueidade. O Manual de Operação, Uso e Manutenção (Manual do Proprietário) deve definir para cada empreendimento os procedimentos e cuidados na utilização.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os sistemas construtivos inovadores foram analisados, neste artigo, sob alguns aspectos que permitiram identificar o potencial para a inovação a partir da continuidade do desenvolvimento tecnológico dos sistemas propostos. Nesta prospecção, detectaram-se as tendências mais relevantes e o papel educativo do SINAT, visto que as inovações propostas até o momento são sistematizações de tecnologias que já estavam sendo aplicadas no setor produtivo, caracterizando-se como inovação incremental ou melhoria contínua. Em síntese, entre outras, destacamos:
• Consolidação dos sistemas em paredes de concreto moldadas no local e tendência de crescimento dos sistemas de painéis pré-moldados off-site, com potencial de inovação para o uso de concretos não convencionais, armaduras não metálicas, armaduras galvanizadas e sistemas de fôrmas;
• Consolidação de uma cultura de avaliação técnica, controle laboratorial e monitoramento da produção, estabelecendo uma linha base de referência de dados de desempenho para os sistemas brasileiros, fortalecendo e disseminando a aplicação do conjunto de normas identificado por ABNT - NBR 15.571, com potencial para o desenvolvimento tecnológico baseado em normas técnicas e garantias de conformidade de componentes e sistemas dentro de requisitos estabelecidos, principalmente aqueles relacionados com a durabilidade e segurança.
Os proponentes dos sistemas inovadores aprovados com a chancela SINAT são empresas produtoras de unidades habitacionais em escala. Considerando que os sistemas inovadores referendados estão aptos a produzirem centenas de unidades em todo o país, espera-se que a sistematização e a difusão do conhecimento adquirido e das práticas propostas permitam um desenvolvimento tecnológico consolidado qualitativamente, principalmente para as habitações de interesse social.
REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 15.575-1: Desempenho de edifícios habitacionais de até cinco pavimentos – parte 1: geral. São Paulo, 2008- a.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT) NBR 15.575-4: Desempenho de edifícios habitacionais de até cinco pavimentos, Parte 4: Fachadas e paredes internas. São Paulo, 2008 - b.
MINISTÉRIO DAS CIDADES (MC). PBQP-H - Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat. SINAT - Sistema Nacional de Avaliação Técnica. Disponível em http://www4.cidades.gov.br/pbqp-h/projetos_sinat.php. Acessado em fevereiro de 2012.
MITIDIERI Fº, C.V.; CLETO, F. da R.; WEBER, M.S. Desenvolvimento e Implementação do Sistema Nacional de Avaliações Técnicas de Produtos Inovadores (SINAT). V SIBRAGEC: Campinas, outubro 2007, 10p.
TÉCHNE. Sinat. Reportagem de Renato Faria. Ed.150, setembro de 2009.
SILVA, F.B.; KATO C.S.; SABBATINI F.H.; BARROS, M.S.B. Sistemas construtivos industrializados para a construção habitacional: análise do canteiro experimental Heliópolis. In: Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído, 13, 2010, Canela, RS. Anais... Canela: ANTAC, 2010.
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