terça-feira, 9 de abril de 2013

DIVULGAÇÃO TÉCNICA - AT 06 - CHUVA DIRIGIDA SOBRE AS FACHADAS DOS EDIFÍCIOS


A discussão da chuva dirigida sobre as fachadas dos edifícios é importante em várias considerações, sejam elas associadas ao desempenho dos edifícios, a degradação e associação a patologias, detre outras. Têm-se observado uma crescente preocupação com esse tema em alguns centros de pesquisa no país, razão essa que traz essa abordagem à tona. No Congresso de Construção que ocorreu em Coimbra-Portugal, a pesquisadora Sara Stingl de Freitas (FEUP) apresentou interessante artigo sobre os modelos de quantificação de chuva dirigida, razão essa pela qual convidamos a pesquisadora a trazer esse assunto aqui no MATERIALS AND MATERIAIS.
Como o artigo é muito detalhado, apresentamos uma síntese do mesmo e colocamos ao final os contatos para fazer o download da dissertação de mestrado da pesquisadora.
Saudações a todos

SÍNTESE DO ARTIGO

Avaliação do efeito da chuva incidente (chuva dirigida) na humidificação das fachadas 

Sara Stingl de Freitas,Eva Barreira e Vasco Peixoto de Freitas
1: Laboratório de Física das Construções – LFC
Faculdade de Engenharia
Universidade do Porto
 Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto
e-mail: sarafreitas@fe.up.pt  web:  http://paginas.fe.up.pt/~lfc-scc/

2: Laboratório de Física das Construções – LFC
Faculdade de Engenharia
Universidade do Porto
 Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto
e-mail: {barreira,vpfreita}@fe.up.pt  web:  http://paginas.fe.up.pt/~lfc-scc/

Resumo
A chuva incidente é um dos principais fatores de humidificação das fachadas e é uma condição fronteira essencial para os modelos de simulação numérica. Existem, atualmente, três categorias de métodos para a quantificação da chuva incidente: métodos experimentais, métodos semi-empíricos e métodos numéricos baseados em CFD. A maioria dos modelos HAM utiliza métodos semi-empíricos para calcular a quantidade de chuva incidente e estimar o teor de humidade no elemento construtivo. A definição do teor de humidade é um fator extremamente relevante para prevenir o aparecimento de anomalias que podem afetar a durabilidade das fachadas.
A quantificação da chuva incidente é muito complexa e depende de vários parâmetros como a geometria do edifício, a posição na fachada, a topografia, a velocidade do vento, a direção do vento, a intensidade de precipitação horizontal e a distribuição das gotas. Os métodos semi-empíricos são amplamente utilizados e definem a quantidade de chuva incidente em função da componente da velocidade do vento normal à fachada e da intensidade de precipitação horizontal.
Neste artigo efetua-se uma revisão dos vários métodos semi-empíricos e faz-se a sua aplicação a uma fachada no Porto. São estudados os seguintes modelos: Lacy, Henriques, Meteonorm, Straube e Burnett, WUFI, ASHRAE e EN ISO 15927-3. As principais diferenças entre os modelos são assinaladas e são apresentadas as principais dificuldades da sua aplicação a uma fachada real.
Avalia-se também a humidificação de uma configuração de fachada tipicamente utilizada em Portugal devido à ação da chuva incidente. É efetuada uma análise de sensibilidade recorrendo a um programa de simulação higrotérmica avançado que permite avaliar a influência do modelo de quantificação da chuva incidente e da orientação da fachada no teor de humidade da alvenaria.

Palavras-chave: fachadas, chuva incidente, métodos semi-empíricos, simulação numérica, comportamento higrotérmico

 INTRODUÇÃO
A durabilidade e o comportamento higrotérmico das fachadas são muito influenciados pela chuva incidente, que é caracterizada por uma elevada variabilidade na distribuição espacial e temporal [1], sendo importante dispor de dados climáticos horários fiáveis, que traduzam as condições fronteiras para os modelos de simulação numérica avançada. De uma forma simplificada, a chuva incidente resulta da combinação da precipitação horizontal com a ação do vento. A água conduzida pelo vento, ao incidir nas paredes, tem duas ações: uma dinâmica (impacto das gotas com uma certa energia cinética) e uma estática (fluxo de água que escorre pela parede).

A quantificação da chuva incidente é muito complexa e depende de vários parâmetros como a geometria do edifício, a posição na fachada, a topografia, a velocidade do vento, a direção do vento, a intensidade de precipitação horizontal e a distribuição das gotas. Atualmente existem três categorias de métodos para avaliar a chuva incidente: medições, modelos semi-empíricos e modelos numéricos. As medições são, na maior parte das vezes, difíceis de realizar, uma vez que têm um custo elevado e requerem muito tempo, por outro lado, os modelos numéricos mais rigorosos exigem parâmetros mais complexos. Os modelos semi-empíricos permitem de uma forma rápida calcular a chuva incidente esão, por isso,abordados neste artigo.


APLICAÇÃO DOS MODELOS SEMI-EMPÍRICOS A UMA FACHADA REAL

Os modelos apresentados no  são aplicados para calcular a quantidade de chuva incidente numa fachada real para um evento real. O corpo em estudo localiza-se no campus da Faculdade de Engenharia no Porto, na cobertura do edifício de aulas, a uma altura de 15 m (Figura 1). Não existem obstáculos na vizinhança com exceção da biblioteca constituída por 5 pisos a uma distância de 130 m. Os dados climáticos (precipitação, velocidade e direção do vento) foram medidos pela estação meteorológica do LFC/FEUP (EM) e, de forma a tornar a análise mais célere, restringiu-se o estudo ao mês de Dezembro de 2009 (correspondente àmaior precipitação). Os valores da velocidade e direção do vento a cada dez minutos foram convertidos em valores horários através de uma média aritmética e a precipitação horária foi considerada como o somatório dos intervalos de 10 minutos. Admitiu-se que a velocidade medida pela estação era a velocidade de referência a 10 m do solo.
Os parâmetros que foram definidos para cada modelo estão descritos na Tabela 1. 



  
Na Figura 2 apresentam-se os resultados referentes à quantificação da chuva incidente obtida pelos diferentes modelos para a orientação sul, que corresponde à mais solicitada.


Figura 2. Quantidade de chuva incidente para a orientação sul em Dezembro de 2009


Através da análise da Figura 2 pode concluir-se que:

- A quantidade mínima de chuva incidente foi de 51 l/m2 para o modelo de Henriques;
- Os modelos do WUFI e da EN ISO 15927-3 apresentam igualmente quantidades reduzidas;
- A quantidade máxima de chuva incidente foi de 146 l/m2 obtida com o modelo da ASHRAE (FE=1,3 e FD= 1,0) semelhante à do modelo de Lacy para campo aberto;
- Os modelos mais complexos e com formulação análoga (modelo de Straube e Burnett e EN ISO 15927-3)apresentam diferenças significativas;
- Os resultados com o modelo do Meteonorm são semelhantes aos de Straube e Burnett uma vez que utilizam a mesma formulação (valor RAF do modelo de Straube e Burnett próximo do valor previsto no Meteonorm);
- Os valores obtidos para os dois casos do modelo de Straube e Burnettapresentam uma diferença de pouco mais de 5% e portanto a dificuldade na escolha do RAFnão foi significativa;
- A duplicação do parâmetro R2 (0,1 para 0,2) origina a duplicação da quantidade de chuva incidente;
- A variação do parâmetro FE no modelo da ASHARE conduz a diferenças de 18%;
- A escolha da categoria do terreno no modelo da EN ISO 15927-3 traduz-se numa diferença de 15%. 

INFLUÊNCIA DA CHUVA INCIDENTE NA HUMIDIFICAÇÃO DA FACHADA

Tendo em conta a disparidade de resultados obtidos no cálculo da chuva incidente pretendeu-se avaliar nesta secção a influência da formulação da chuva incidente e da orientação da fachada no comportamento higrotérmico de uma fachada recorrendo ao programa de simulação WUFI.

Nas simulações efetuadas admitiu-se um fator de absorção da água da chuva (r.r.f.) que considera que uma parte da chuva incidente que chega à fachada salpica e, por isso, não está disponível para a absorção capilar. Este fator depende de vários parâmetros como a rugosidade, a inclinação e a natureza da precipitação. Atendendo a que este fator não está suficientemente estudado, utilizou-se 0,7. 

A configuração simulada neste estudo é constituída por reboco exterior (2 cm), alvenaria de tijolo maciço (30 cm), lã mineral (5 cm) e gesso cartonado (1,5 cm). O teor de humidade foi calculado numa base horária ao longo de um período de 5 anos. Admitiu-se que no início todos os materiais tinham uma humidade relativa de 80% e utilizaram-se os dados climáticos do Porto gerados pelo Meteonorm.

Consideraram-se os dois modelos disponíveis no programa de cálculo WUFIpara a determinação da chuva incidente: WUFI e ASHRAE, sendo a quantidade de chuva incidente calculada pelos dois modelos muito diferente(Figura 3b).


Figura 3. a. Radiação solar anual no Porto segundo o Meteonorm; b. Quantidade de chuva incidente para o Porto com o modelo do WUFI e da ASHRAE


A orientação com mais chuva incidente nem sempre é a mais crítica em termos do teor de humidade na parede. Assim sendo, a influência da radiação solar não deve ser desprezada, uma vez que influencia as condições de secagem. O teor de humidade numa fachada é determinado em função do balanço da absorção da chuva incidente e da secagem. 

Apresenta-se na Figura 4 o teor de humidade do tijolo maciço para a orientação norte. Observa-se que o teor de humidade é estável ou decresce ao longo do tempo para o modelo do WUFI. No entanto, com o modelo da ASHRAE ocorre um aumento do teor de humidade no tijolo maciço. A influência da escolha do modelo para a quantificação da chuva incidente apresenta um papel fulcral na simulação numérica. Veja-se, a título exemplificativo,o caso em que se considera a situação extrema para cada um dos modelos: WUFI (R2 = 0,2)e ASHRAE(FE = 1,5 eFD =2,0) em que a diferença entre a quantidade de chuva incidente calculada pelos dois modelos é de 200%e a variação no teor de humidade é de 40%.


Figura 4. Teor de humidade no tijolo maciço para a fachada norte [10]


Na Figura 5 observa-se como a orientação e a quantidade de chuva incidente afetam o teor de humidade da alvenaria de tijolo maciço. 



Em ambos os modelos utilizados a orientação norte apresenta os maiores teores de humidade e a sul os mínimos. Este facto está relacionado com a radiação solar (Figura 3a) uma vez que, apesar da quantidade de chuva incidente ser superior a sul, também a radiação solar é superior traduzindo-se num processo de secagem mais rápido. As orientaçõeseste e oeste apresentam teores de humidade muito semelhantes para o modelo do WUFI devido à reduzida quantidade de chuva incidente. O modelo da ASHRAE conduz a valores de chuva incidente mais elevados com maiores diferenças entre as duas orientações, pelo que a variação no teor de humidade dos tijolos nos dois casos é também mais significativa. Os picos nos teores de humidade obtidos para a fachada este face à fachada oeste da Figura 5a resultam então da maior quantidade de chuva incidente para a orientação este e à divergência entre o pico da temperatura e o pico da radiação solar (o que implica que a temperatura superficial da fachada é superior a oeste).

CONCLUSÕES
Existem muitos métodos semi-empíricos para avaliar a quantidade de chuva incidente e há uma grande dificuldade em decidir qual o modelo mais adequado. Todos os modelos utilizam diferentes parâmetros que dependem da geometria do edifício e da envolvente. A escolha dos parâmetros a adotar, para cada caso específico, de forma a obter a solução mais próxima da realidade também pode ser uma dificuldade acrescida.

Dos modelos analisados, observa-se que a EN ISO 15927-3 e Straube e Burnett consideram o maior número de parâmetros, enquanto Lacy e Henriques são os modelos conhecidos mais simplificados.A aplicação dos diferentes modelos a um caso de estudo no Porto traduziu-se em diferenças consideráveis, entre o valor mínimo e máximo varia de 1 para 3.

A escolha dos modelos de cálculo da chuva incidente e dos seus parâmetros influenciam profundamente o teor de humidade das fachadas. Comparando os resultados da simulação numérica considerando o modelo do WUFI e da ASHRAE conclui-se que com o WUFI os teores de humidade na alvenaria de tijolo maciço são menores devido à menor quantidade de chuva incidente. 

O teor de humidade varia em função da orientação da fachada. Para o Porto, observa-se que a orientação norte,apesar de estar sujeita à menor quantidade de chuva incidentetem menores ganhos de calor por radiação,correspondendo a um processo de secagem mais lento,pelo que apresenta os maiores teores de humidade. Por outro lado, a fachada orientada a sul apresenta os menores teores de humidade no pano de alvenaria. A orientação leste tem teores de humidade superiores aos da orientação oeste quando a quantidade de chuva incidente definida pelo modelo é significativa.

A principal conclusão deste estudo prende-se com a incerteza dos modelos de chuva incidente e a consequente variabilidade nos perfis dos teores de humidade para as fachadas dos edifícios.

REFERÊNCIAS E LINKS
A dissertação da pesquisadora Sara Freitas pode ser obtida em www.repositorio aberto.up.pt
S. Freitas, Avaliação do Comportamento Higrotérmico de Revestimentos Exteriores de Fachadas devido à Acção da Chuva Incidente, Dissertação de Mestrado, FEUP, (2011).

[1] B.Blocken e J.Carmeliet,“Overview of three state-of-the-art wind-driven rain assessment models and comparison based on model theory”, Build. andEnvironm. 45(3),691-703, (2010).
[2] B. Blocken, Wind-Driven Rain on Buildings – measurements, numerical modeling and applications, Ph.D. thesis, KatholiekeUniversiteit Leuven, Leuven (2004).
[3] S. Cornick, A. Dalgliesh, N. Sais, R. Djebbar, F. Tariku F e M. Kumaran, Report from Task 4 of MEWS – Task 4 Environmental Conditions Final Report. Research report 113, 57 e 58, Institute for Research in Construction – National Research Council Canada, Ottawa (2002).
[4] F. Henriques, Quantificação da Chuva Incidente em Paredes, LNEC, Lisboa (1993).
[5] Meteotest 2007. – Meteonorm -Version 6.0 Meteotest, Bern, Switzerland.
[6] J. Straube, Simplified Prediction of Driving Rain on Buildings: ASHRAE 160P and WUFI 4, Building Science Digest 148 – Building Science Press (2010).
[7] WUFI 2008. WUFI Pro 4.2 Fraunhofer – IBP, Holzkirchen, Germany.
[8] ASHRAE 2009. AHRAE Standard 160P – Criteria for moisture control design analysis in buildings. ASHRAE, Atlanta, USA.
[9] CEN,  EN ISO 15927-3:2009. Hygrothermal performance of buildings. Calculation and presentation of climatic data. Part 3: Calculation of a driving rain index for vertical surfaces from hourly wind and rain data (2007). 
[10] S. Freitas, Avaliação do Comportamento Higrotérmico de Revestimentos Exteriores de Fachadas devido à Acção da Chuva Incidente, Dissertação de Mestrado, FEUP, (2011).

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